quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Qual a diferença entre socialismo e comunismo?


Socialismo e comunismo


Juliana Bezerra
Revisão por Juliana Bezerra • Professora de História

O socialismo é um sistema econômico e ideológico que procura alcançar a igualdade entre os membros da sociedade.
O comunismo, por outro lado, seria o resultado da implantação das ideias socialistas, onde o objetivo principal é a busca da igualdade entre os membros da sociedade. Assim, o governo, que estaria formado pela classe trabalhadora, seria o proprietário principal e teria o poder decisório em todos os assuntos.

Socialismo Comunismo
Definição Sistema econômico que procura alcançar a igualdade entre os membros da sociedade, mantendo os bens de produção como bens coletivos. Sistema econômico e político que defende uma sociedade sem classes. Nele, os meios de produção e outros bens pertencem ao governo e a produção é dividida igualmente entre todos.
Sistema político Pode coexistir com diferentes sistemas políticos, mas a maioria dos socialistas defende a democracia participativa. Uma sociedade comunista é apátrida, pois toda a classe trabalhadora seria unida por um ideal maior que o da pátria.
Filosofia Cada um contribui de acordo com suas habilidades e recebe de acordo com sua colaboração. Cada um coopera de acordo com suas habilidades e recebe de acordo com suas necessidades.
Primeiros remanescentes Em 1516, quando Thomas More escreve em seu livro "Utopia", sobre uma sociedade baseada na propriedade comum. Foi teorizado em meados do século 19, por Karl Marx e Friedrich Engels, como a alternativa ao capitalismo.
Propriedade privada Existem dois tipos de propriedade:
  • Propriedade pessoal (itens que pertencem ao indivíduo, como casa e roupas);
  • Propriedade pública, que inclui os meios de produção. Estes são de propriedade do Estado, porém sob controle dos trabalhadores.
Não existe. O conceito de propriedade é substituído pelo de bens comuns.
Estrutura social As distinções de classe são diminuídas. O status resulta principalmente das distinções políticas e não das distinções de classe. Não existem distinções de classe. Todos são proprietários dos meios de produção e seus próprios empregados.
Sistema econômico Os meios de produção são propriedade de empresas públicas ou cooperativas. Os indivíduos são compensados com base no princípio da contribuição individual. Os meios de produção são de propriedade comum e a produção é organizada apenas para atender às necessidades humanas.
Religião A religião, por ser uma expressão burguesa, deve ser eliminada de uma sociedade socialista. Abolida.
Movimentos políticos Socialismo democrático, socialismo libertário, anarquismo social e sindicalismo. Comunismo marxista, leninismo e marxismo-leninismo, estalinismo, trotskismo, maoismo.
Exemplos na história Exemplos históricos socialistas incluem a Comuna de Paris, a Hungria, a Romênia e a Bulgária. Entretanto, nenhum destes continua a ter governos socialistas. Os principais partidos comunistas incluem o Partido Comunista da União Soviética (1912-1991), o Partido Comunista da China (1921-presente), o Partido dos Trabalhadores da Coreia (1949-presente) e o Partido Comunista de Cuba (1965-presente).

Origem e ideias do Comunismo

O comunismo tem origem no "Manifesto Comunista", um panfleto de Karl Marx e Friedrich Engels apresentado em 1848. Nele, está exposta a teoria sobre a luta entre as classes econômicas, que terminaria com uma violenta derrubada da sociedade capitalista, do mesmo modo que a sociedade feudal foi eliminada durante a Revolução Francesa.
Após a revolução comunista, os trabalhadores tomariam o controle dos meios de produção. Com o tempo, o governo iria desaparecer, à medida que os trabalhadores construiriam uma sociedade sem classes e uma economia baseada na propriedade comum.
Segundo a teoria, a produção e o consumo alcançariam um equilíbrio, pois sua premissa está baseada em que "cada um contribui de acordo com suas habilidades e recebe de acordo com suas necessidades". Além disso, a religião e outras instituições de controle social também teriam fim.
Essa ideologia revolucionária de Marx inspirou movimentos sociais do século XIX e XX como a Comuna de Paris. Outro exemplo foi a Revolução Bolchevique em 1917, que derrubou o czar russo e, após uma guerra civil, estabeleceu a União Soviética.
Porém, apesar de a União Soviética ser govhttps://www.diferenca.com/socialismo-e-comunismo/?fbclid=IwAR0f5ndQKOdm5ACW076RGyjljZ8jPef8fhaG3ygEg0icZqzEVK7ESsjeqO4ernada pelo Partido Comunista, ela não conseguiu uma sociedade sem classes, sem estado e em que a população possuía coletivamente os meios de produção. Ou seja, este país nunca foi realmente comunista.

Origem e ideias do Socialismo

O socialismo aproveita algumas ideias iluministas e os primeiros estudos foram articulados por Henri de Saint-Simon (1760-1825) e seus seguidores Robert Owen, Charles Fourier, Pierre Leroux e Pierre-Joseph Proudhon, que desenvolveram o socialismo utópico.
Esses pensadores apresentaram ideias sobre uma distribuição mais igualitária da riqueza, melhores condições de trabalho, propriedade comum dos recursos produtivos e um senso de solidariedade entre a classe trabalhadora.
Alguns também defendiam que o Estado assumisse um papel central na produção e na distribuição de bens. O marxismo emergiu neste meio e Engels o chamou de "socialismo científico".

Símbolos do Socialismo e do Comunismo

O socialismo se identifica com uma estrela, enquanto o comunismo utiliza a foice o martelo.
O interessante é que ambas correntes de pensamento optaram pela cor vermelha como símbolo ideológico.
Símbolo do Socialismo e do Comunismo

Principais diferenças econômicas entre Comunismo e Socialismo

O socialismo e o comunismo defendem que os recursos da economia devem ser de propriedade coletiva, porém eles diferem nas questões de gestão e controle da economia.
No socialismo, os cidadãos tomam as decisões econômicas por meio das comunas ou conselhos. Já no comunismo, um único partido autoritário é responsável pelo controle de sua economia.
O socialismo e o comunismo também diferem na forma de distribuição da riqueza produzida. O socialismo defende que os bens e serviços produzidos devem ser distribuídos com base na produtividade de cada indivíduo. Por sua vez, o comunismo acredita que a riqueza deve ser compartilhada com base nas necessidades de cada indivíduo.
Outra grande diferença diz respeito à propriedade. No socialismo existem dois tipos de propriedade: a propriedade pessoal de um indivíduo e a propriedade industrial que pertence à sociedade. Por exemplo, os indivíduos podem ter uma televisão, mas não podem manter uma fábrica que a produz, pois toda a capacidade de produção seria de propriedade comum e gerida pelo governo.
Em contrapartida, no comunismo, todos os bens e serviços são de propriedade pública.

Principais diferenças políticas entre Comunismo e Socialismo

As diferenças entre o socialismo e o comunismo são tênues, pois a sociedade comunista somente seria construída a partir do socialismo.
Entretanto, com as divergências doutrinárias ao longo do século XIX e XX podemos destacar algumas distinções.
No comunismo não existem distinções de classe, pois todos são efetivamente tratados da mesma forma. Já o socialismo, vê uma diminuição dessas distinções, mas elas ainda existiriam, pois ainda haveria meios de umas pessoas possuírem mais riquezas do que outras.
O comunismo vê a transição do capitalismo como uma revolução violenta, onde este seria destruído à medida que os trabalhadores se rebelariam contra as classes média e alta.
Por outro lado, o socialismo defende uma transição gradual do capitalismo por meio de processos legais e políticos, especialmente através das eleições.

Comunismo e Socialismo na práhttps://www.diferenca.com/socialismo-e-comunismo/?fbclid=IwAR0f5ndQKOdm5ACW076RGyjljZ8jPef8fhaG3ygEg0icZqzEVK7ESsjeqO4 tica

Nunca houve um estado puramente comunista. A União Soviética, a China, o Vietnã, Cuba e a Coreia do Norte são os exemplos mais próximos, embora nenhum deles tenha alcançado uma estrutura puramente comunista.
Nestes países, apesar de o governo possuir um papel dominante, eles nunca alcançaram o fim da propriedade pessoal, a abolição do dinheiro e a eliminação dos sistemas de classe.
O socialismo também nunca foi totalmente adotado em nenhum país. Porém, alguns países como a Noruega, a Suécia e o Canadá têm muitas políticas socialistas, como sistemas de saúde gratuitos, além de um papel preponderante do governo em muitos setores.

  • No socialismo, os recursos da economia são geridos e controlados pelas próprias pessoas através de conselhos, enquanto no comunismo, a gestão e o controle estão nas mãos de um único partido autoritário.
  • Os socialistas distribuem a riqueza com base nos esforços produtivos de cada indivíduo, enquanto os comunistas o fazem em função das necessidades de cada um.
  • Os socialistas podem possuir propriedades pessoais, enquanto no comunismo todos os bens são coletivos.
  • O socialismo permite que o capitalismo exista no meio de si, enquanto o comunismo procura abolir o capitalismo.


Fonte: https://www.diferenca.com/socialismo-e-comunismo/?fbclid=IwAR0f5ndQKOdm5ACW076RGyjljZ8jPef8fhaG3ygEg0icZqzEVK7ESsjeqO4

Partículas “fantasma” de alta energia detectadas na Antártica desafiam físicos

Partículas “fantasma” de alta energia detectadas na Antártica desafiam físicos

Neutrinos muito espoletas pegos pelo observatório Anita, da Nasa, não parecem corresponder às previsões do Modelo Padrão da física de partículas.

A Antártida é um ambiente de alto interesse para a ciência, devido suas condições climáticas e geográficas únicas (leia-se: um frio desgraçado e uma camada de gelo de 2 km de espessura). O Brasil, inclusive, inaugurou uma nova base científica lá recentemente. Agora, o continente inóspito se tornou palco de um mistério na Física. Tudo começou quando um equipamento da Nasa chamado Anita detectou partículas extremamente discretas, chamadas neutrinos, alcançando uma energia altíssima no céu antártico. 
Só há um problema: o Anita compartilha espaço com um detector de neutrinos bem maior e mais abrangente chamado IceCube (você conhecerá melhor os dois nos próximos parágrafos). E o IceCube, curiosamente, não observou nenhum outro neutrino de alta energia na época em que o Anita realizou sua detecção.
Neutrinos costumam ser fabricados em grandes quantidades por fenômenos cósmicos violentos (como buracos negros), e alcançam a Terra após vários anos-luz de viagem. É muito estranho, portanto, que o pequeno Anita tenha detectado um neutrino sem que o IceCube detectasse dezenas de outros pertencentes ao mesmo “lote”, com características parecidas.
Talvez o Anita tenha dado sorte, e detectado um neutrino em um milhão. Mas a chance de isso ter acontecido é tão ínfima que os pesquisadores do IceCube começaram a especular se esse apressadinho de alta energia é mesmo um neutrino ou se ele não pode ser explicado pela física de partículas da maneira como ela está estruturada atualmente. Um artigo científico analisando o caso está disponível aqui, ainda em estágio de pré-publicação (isto é: não foi revisado por outros cientistas).

Partículas antissociais

Para começar a entender a história, precisamos conhecer os protagonistas dela. Neutrinos são partículas muito, muito pequenas. Na verdade, elas são as menores partículas conhecidas. Sua massa é 100 milhões de vezes menor que a do próton – uma das partículas que formam o núcleo dos átomos. Isso equivale a um bilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de um grama.
Os neutrinos estão por todo lugar, literalmente. Bilhões e bilhões deles estão atravessando seu corpo — além de toda a Terra — enquanto você lê esse texto, muito provavelmente emitidos pelo nosso Sol. Apesar de muito abundantes, essas partículas são bastante antissociais. Por serem muito pequenos, os neutrinos fazem suas viagens pelo Universo sem quase nunca interagir com nenhuma outra partícula. Isso os torna basicamente indetectáveis — por isso, são conhecidos como “partículas fantasmas”.
O Modelo Padrão de partículas (o conjunto de teorias da física atual que explica todo esse mundo subatômico) prevê a existência de neutrinos de alta energia. Diferentemente do seus primos de baixa energia, essas partículas são mais raras, e também muito mais sociáveis. Isso porque, quanto maior a energia de um neutrino, maior a probabilidade dele interagir com algo em seu caminho. 
Existem equipamentos específicos só para procurar por esses viajantes cósmicos. O principal deles é Observatório de Neutrinos IceCube, formado por mais de cinco mil sensores de luz enterrados no gelo da Antártida (conheça melhor o IceCube nesta matéria). Quando um neutrino de alta energia atravessa a Terra – às vezes vindo direto do céu, às vezes fazendo um caminho ousado em que entra pelo hemisfério Norte celeste e sai pelo polo Sul –, ele pode interagir com algum átomo do continente gelado, e essa interação é pega pelos sensores. Qualquer neutrino pode interagir, diga-se, mas os de alta energia são mais espalhafatosos. 
O outro aparelho capaz de detectar esses neutrinos de alta energia é o Anita, da Nasa. Mas o Anita, que fica em um balão flutuante no céu gelado da Antártida, procura especificamente por neutrinos extremamente energéticos, centenas de vezes mais do que os detectados pelo IceCube. Eles são capazes inclusive de gerar sinais de rádio quando interagem com algum átomo no gelo antártico. 

Fonte: https://super.abril.com.br/ciencia/particulas-fantasma-de-alta-energia-detectadas-na-antartica-desafiam-fisicos/?fbclid=IwAR1ycgM-GE2ugyYvInYA3uuCMPoQs5tY-GCx5Av4eo5zqW_eyektobESeI4

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Teoria da Relatividade - Para entender de uma vez

Einstein – Para entender de uma vez


Novo livro da SUPER, escrito por Salvador Nogueira, explica a obra do gênio de cabo a rabo, como você nunca viu. Saiba o que você vai encontrar lá dentro


É uma daquelas histórias que passa de livro em livro, de biografia em biografia, e, embora ninguém saiba ao certo quanto há de verdade nela, é tão boa que ao menos merecia ser verdadeira. Então vamos lá novamente. Em 1931, Charlie Chaplin convida Albert Einstein para a estreia de seu mais recente filme, Luzes da Cidade. Em Hollywood, conforme as duas estrelas – uma da arte e outra da ciência – caminham juntas, são reconhecidas por uma multidão, que passa a aplaudi-las fervorosamente. “Eles nos aplaudem”, disse Chaplin a seu convidado de honra, “eu porque todo mundo me entende e você porque ninguém o entende”.
Diversas versões desse episódio – algumas mais engraçadas – circulam por aí desde a primeira vez em que ele foi mencionado, numa autobiografia publicada em 1947 por János Plesch, médico e amigo de Einstein por mais de duas décadas. E, sendo ou não verdadeiro, o caso exprime um fato real bastante conhecido: a imensa maioria das pessoas acha as ideias do físico alemão tão geniais quanto impenetráveis, o que as faz desistir de entendê-las antes mesmo de tentar.
Nem podemos dizer que se trata de um temor infundado. Se alguém chega para você e diz, de sopetão, que o tempo e o espaço são flexíveis, matéria e energia são a mesma coisa, e eventos que são simultâneos para uma pessoa não serão simultâneos para outra, a reação mais comum é jogar tudo para o alto e correr em desespero, diante de um mundo que claramente não é mais o que costumava ser. Natural. Foi exatamente desse modo, por sinal, que boa parte dos físicos reagiu no início do século 20, quando Einstein começou a dizer essas coisas todas. Tudo parecia tão maluco que a Academia Real de Ciências da Suécia nem teve coragem de premiá-lo com o Nobel pela teoria da relatividade – de onde nasceram todas essas ideias –, e sim por algo mais trivial, e menos sujeito a controvérsias: sua explicação de um fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico, em que a incidência de luz sobre uma placa metálica leva ao surgimento de uma corrente elétrica. (Não subestime o tamanho dessa realização, contudo: ela foi o primeiro grande trabalho baseado na física quântica, que produziria uma revolução tão grande quanto a relatividade – senão maior).
Fico feliz, portanto, de encontrá-lo aqui, lendo estas linhas. Isso mostra que você é uma das pessoas que acham que vale a pena entender o que Einstein nos revelou sobre o Universo. E eis o primeiro grande segredo para que tudo fique claro: a grande barreira à compreensão é que tentamos justamente começar pelas conclusões da teoria, e não pelas premissas. E aí, além de ficar bem mais difícil de entender, perdemos um dos mais encantadores aspectos da mente de Einstein: seu apreço incondicional por ideias belas e simples.
Pense no paradoxo dos gêmeos, a ideia de que um dos irmãos viajando pelo espaço em altíssima velocidade envelhece muito mais devagar do que o outro que ficou na Terra. Cabe lembrar que, para chegar à conclusão de que isso de fato acontece, Einstein precisou apenas de duas premissas básicas, ambas de uma simplicidade ímpar. A primeira soa como um truísmo, uma verdade em si mesma: as leis da física produzem resultados iguais para quaisquer observadores em condições equiparáveis de movimento, ou seja, sem aceleração relativa entre si.
Dá para acreditar nisso sem grandes questionamentos, não? A segunda é menos óbvia, mas nem por isso menos elementar: a luz no vácuo, para qualquer observador, ou seja, em qualquer referencial, viaja sempre à mesma velocidade, independentemente de onde parte ou aonde chega. Enfim, ela é invariante. Se você correr com seu carro atrás de uma Ferrari, não vai alcançá-la. Mas vai observar o carrinho vermelho se afastando de você a uma velocidade menor. Com a luz isso não acontece. Pegue uma Ferrari, ou um jato, ou a nave espacial mais veloz que um dia será construída. Não acontece nada. O raio de luz continua se afastando com a mesma velocidade aparente, como se “fugisse” de você. Em outras palavras, a velocidade relativa de uma Ferrari varia. Se ela estiver a 250 km/h e você, a 100 km/h, essa velocidade relativa entre vocês será de 150 km/h. Se você acelerar mais um pouco, diminui para 100 km/h. Com a luz não. A velocidade dela é de 1,08 bilhão de km/h . Acelere a 1 bilhão de km/h, e o que acontece? A luz continua se afastando de você a exatamente 1,08 bilhão de km/h. Igual quando você está parado. Em outras palavras, a velocidade da luz é absoluta. Não varia nunca. (Não por acaso, Einstein, de início, chamou sua criação de “teoria da invariância”, antes de adotar o termo “relatividade”.)
Pronto: com base nessas duas premissas, e mais nada, Einstein destrói o espaço e o tempo fixos e imutáveis concebidos por Isaac Newton e reformula nosso modo de enxergar a realidade. Como? Calma, estamos apenas na introdução. Vamos chegar lá.
O principal objetivo deste livro, por sinal, é mostrar que não há nada que impeça você de chegar às mesmas conclusões a que o grande físico alemão chegou, e então aceitá-las como naturais. Em essência, quero provar que ninguém precisa ser um Einstein para compreender as ideias de Einstein.
Por outro lado – e isso também é uma mensagem importante –, foi preciso haver um Einstein para dar à luz todas essas descobertas fascinantes.
Albert nasceu em Ulm, então parte do Império Alemão, em 14 de março de 1879, filho de Hermann Einstein com Pauline Koch. Aos 17 anos, para evitar o serviço militar, ele renunciou à cidadania alemã e foi admitido na Politécnica Federal Suíça em Zurique. Lá ele conheceria Mileva Marić, a única mulher dentre os estudantes de matemática e física. O romance entre os dois logo floresceu e Mileva teria influência importante em suas futuras ideias científicas.

Einstein formou-se em 1900, mas passou dois anos procurando trabalho, até finalmente conseguir uma vaga no escritório de patentes de Berna, como examinador-assistente. Trabalhando lá, em meio à papelada, encontrou tempo para desenvolver algumas de suas ideias mais geniais. Einstein rotineiramente usava o que ele chamou de gedankenexperimenten – “experimentos mentais”, em alemão. Eram testes que na realidade não teriam como ser executados, mas podiam acontecer dentro da mente, se o imaginador tivesse um sentido de abstração suficientemente aguçado.
Em 1905, com apenas 26 anos, Einstein teria seu grande surto criativo, com uma série de artigos científicos que confirmariam a existência dos átomos (nosso assunto do capítulo 1), explicariam o efeito fotoelétrico com base em uma descrição quântica da luz (iniciando assim uma revolução científica de primeira grandeza, da qual falaremos no capítulo 2), formulariam a teoria da relatividade restrita (redefinindo espaço e tempo, como veremos no capítulo 3) e descreveriam a equação mais famosa da ciência: E=mc2 (em que energia e matéria se tornam faces da mesma moeda, como veremos no capítulo 4).
Tão incríveis e frenéticas foram essas realizações que 1905 ficou conhecido como o annus mirabilis – ano miraculoso – da física. Havia, contudo, muito mais a ser feito. O físico alemão sabia que a sua primeira versão da relatividade estava incompleta e precisava ser ainda desenvolvida, de modo a ser generalizada para todas as circunstâncias possíveis. Albert passou boa parte da década seguinte buscando essa resposta.
Em 1909, Einstein se tornou professor da Universidade de Zurique e, em 1914, retornou à Alemanha, onde se tornaria diretor do Instituto Kaiser Wilhelm para Física e professor da Universidade Humboldt de Berlim. Foi lá que o físico concluiu a teoria da relatividade geral – sua obra-prima científica. Publicada em 1916, é ela que permite a Einstein suplantar Isaac Newton, ao criar uma nova e mais sofisticada teoria da gravitação – assunto que abordaremos no capítulo 5.
Em seguida, no capítulo 6, exploraremos algumas das consequências tecnológicas das ideias de Einstein – e elas vão mais longe do que se costuma pensar.
Daí em diante libertaremos todo o poder exploratório da relatividade, que nos permite compreender a origem e a evolução do Universo (capítulo 7), seu potencial destino (capítulo 8), a bizarra natureza dos buracos negros (capítulo 9), os fenômenos das lentes gravitacionais (capítulo 10) e o fato de que o próprio tecido do espaço-tempo pode ser chacoalhado pela gravidade, nas agora famosas e recentemente confirmadas ondas gravitacionais (capítulo 11).
Também é verdade que os escritores de ficção científica devem tanto a Einstein quanto os próprios físicos, pois a relatividade geral permite, ao menos em teoria, coisas realmente incríveis, a começar por viagens no tempo (capítulo 13).
Mais adiante, explicamos os aspectos mais surpreendentes da mecânica quântica explorados por Einstein, como a previsão de que haveria um novo estado da matéria a temperaturas muito baixas, o condensado de Bose-Einstein (capítulo 14), e a de que partículas poderiam de alguma forma se comunicar instantaneamente a distância, no fenômeno conhecido como emaranhamento (capítulo 15) – algo que parecia loucura completa até ser demonstrado experimentalmente. E hoje é graças a isso que pesquisadores no mundo inteiro realizam testes de teletransporte quântico.

Por fim, terminamos, no capítulo 16, onde Einstein também parou, com uma busca incessante de três décadas por uma teoria capaz de costurar a relatividade e a mecânica quântica. A maior parte desse esforço se deu nos Estados Unidos, onde Einstein se exilou em 1933, depois que Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha. O físico tornou-se pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, onde permaneceria até sua morte, em 18 de abril de 1955. E até hoje os físicos seguem se debatendo para tentar realizar o sonho dele e construir essa “teoria final”, que potencialmente explicaria de forma segura o que levou ao surgimento do Universo e o que existe no interior dos buracos negros.

Teoria da Relatividade - O que é

O que é a Teoria da Relatividade?

Espaço e tempo, na verdade, são faces da mesma moeda. E o jeito que o tempo passa para você pode ser diferente do jeito que ele passa para mim.

É a ideia mais brilhante de todos os tempos – e certamente também uma das menos compreendidas.
Em 1905, o genial físico alemão Albert Einstein afirmou que tempo e espaço são relativos e estão profundamente entrelaçados. Parece complicado? Bem, a ideia é sofisticada, mas, ao contrário do que se pensa, a relatividade não é nenhum bicho-de-sete-cabeças.
A principal sacada é enxergar o tempo como uma espécie de caminho que a gente é obrigado a trilhar. Mesmo que agora você esteja parado lendo isso, você ainda está se movendo no tempo. Afinal, os segundos estão passando, como um trem que corre para o futuro em um ritmo constante.
Até aí, nenhuma novidade bombástica. O que Einstein constatou de surreal é que esse “trem do tempo” pode ser acelerado ou freado – passar mais rápido para uns e mais devagar para outros. E que, para fazer o tempo andar mais devagar, basta se movimentar.
Se você estiver andando, por exemplo, as horas vão ser mais vagarosas para você do que para alguém que esteja parado. Mas, como as velocidades que vivenciamos no dia a dia são muito pequenas, a diferença na passagem do tempo é ínfima.
O efeito é perceptível quando a gente chuta o balde: se você passasse um ano dentro de uma espaçonave que se desloca a 1,07 bilhão de km/h e depois retornasse para a Terra, as pessoas que ficaram por aqui estariam dez anos mais velhas que você!
Como elas estavam praticamente paradas em relação ao movimento da nave, o tempo passou dez vezes mais rápido para elas – mas isso do seu ponto de vista. Para os outros terráqueos, foi você quem teve a experiência de sentir o tempo passar mais devagar.
Dessa forma, o tempo deixa de ser um valor universal e passa a ser relativo ao ponto de vista de cada um – daí vem o nome “relatividade”. Ainda de acordo com os estudos de Einstein, o tempo vai passando cada vez mais devagar até que se atinja a velocidade da luz, de 1,08 bilhão de km/h, o valor máximo possível no Universo.
A essa velocidade, ocorre o mais espantoso: o tempo simplesmente deixa de passar! É como se a velocidade do espaço (aquela do velocímetro da nave) retirasse tudo o que fosse possível da velocidade do tempo. No outro extremo, para quem está parado, a velocidade está toda concentrada na dimensão do tempo.
“Einstein postulou isso baseado em experiências de outros físicos e trabalhou com as maravilhosas conseqüências desse fato”, diz o físico Brian Greene, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, autor do livro O Universo Elegante, um best seller que explica em linguagem simples as ideias do físico alemão.
Mas as descobertas da Relatividade não param por aí. Ainda em 1905, Einstein concluiu que matéria e energia estavam tão entrelaçadas quanto espaço e tempo. Daí surgiu a célebre equação E = mc2 (energia = massa x a velocidade da luz ao quadrado), que revela que uma migalha de matéria pode gerar uma quantidade absurda de energia.
Uma descoberta genial
Einstein mostrou que espaço, tempo, massa e gravidade estão intimamente ligados
1 – Segundo Einstein, tudo no Universo se move a uma velocidade distribuída entre as dimensões de tempo e espaço. Para um corpo parado, o tempo corre com velocidade máxima. Mas quando o corpo começa a se movimentar e ganha velocidade na dimensão do espaço, a velocidade do tempo diminui para ele, passando mais devagar. A 180 km/h, 30 segundos passam em 29,99999999999952 segundos. A 1,08 bilhão de km/h (a velocidade da luz), o tempo simplesmente não passa.
2 – Uma consequência dessa alteração da velocidade do tempo é a contração no comprimento dos corpos. Segundo a Teoria da Relatividade Especial – a primeira parte da teoria de Einstein, elaborada em 1905 –, quanto mais veloz alguma coisa está, mais curta ela fica. Por exemplo: quem visse um carro se mover a 98% da velocidade da luz o enxergaria 80% mais curto do que se o observasse parado.
3 – Na chamada Teoria Geral da Relatividade (a segunda parte do estudo, publicada em 1916), Einstein usou a constatação anterior para redefinir a gravidade. Ele passou a entendê-la como a distorção que um corpo causa no tecido do espaço-tempo. A força que prende as pessoas ao chão é a curvatura criada pela Terra no espaço ao seu redor. Por tabela, corpos com muita atração gravitacional também fazem o tempo passar muito devagar.
5 – Uma aplicação prática da Relatividade é a calibragem dos satélites do GPS, que orientam aviões e navios. Pela Relatividade Especial, sabe-se que a velocidade de 14 mil km/h dos satélites faz seus relógios internos atrasarem 7 milionésimos de segundo por dia em relação aos relógios da Terra. Mas, segundo a Relatividade Geral, eles sentem menos a gravidade (pois estão a 20 mil km de altitude) e adiantam 45 milionésimos de segundo por dia. Somando as duas variáveis, dá um adiantamento de 38 milionésimos por dia, que precisa ser acertado no relógio do satélite. Portanto, se não fosse pela teoria de Einstein, o sistema acumularia um erro de localização de cerca de 10 quilômetros por dia.

Obtido de: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-teoria-da-relatividade-2/

Teoria da Relatividade - o que é gravidade?


Entenda de uma vez: o que é a gravidade?

Descrita como uma curvatura no próprio tecido do espaço-tempo, essa força molda a evolução do Universo. E, graças a Einstein, agora entendemos como ela faz isso.



Quando Einstein apresentou suas primeiras descobertas sobre o espaço e o tempo, em 1905, o mundo da física virou de pernas para o ar. Nem todos concordavam com ele, mas o tema virou rapidamente o favorito de toda a comunidade acadêmica, exceto por uma pessoa: o próprio Einstein.
Isso porque, apesar das revelações de que espaço e tempo eram relativos, o físico sabia que sua teoria estava incompleta. Suas equações só descreviam um caso específico, em que objetos estivessem em movimento uniforme. Ou seja, eles podiam estar a qualquer velocidade, contanto que ela fosse constante. Era uma versão restrita da relatividade, incapaz de descrever o que acontecia ao espaço e ao tempo quando objetos estavam acelerando, ou desacelerando.
Einstein ficou obcecado com esse problema e passou dez anos trabalhando nele. Como generalizar a Teoria da Relatividade para todas as circunstâncias? E aí ele atirou no que viu e acertou no que não viu. Einstein percebeu que uma teoria assim necessariamente teria de ser também uma teoria da gravidade.
Quer ver? Sigamos o alemão em mais um de seus famosos experimentos mentais. Para este aqui, teremos de nos imaginar no elevador de um edifício. Imagine-se dentro dele quando os cabos se rompem e ele despenca. Na queda, parecerá que flutuamos dentro do elevador, caindo ao mesmo ritmo que ele na direção do solo. Poupemos o sofrimento de pensar no que acontece ao fim da queda, e em vez disso imaginemos outro arranjo, em que o elevador está largado no meio do espaço, longe de tudo. Sem a gravidade por lá, também flutuaremos. Ou seja, é como estar em queda livre.
Sigamos agora esse experimento imaginando que, ao nosso elevador espacial, um foguete tenha sido preso aos cabos, puxando-nos para cima. Em razão da inércia (a “vontade” de o corpo permanecer no estado em que estava antes), seremos puxados para o chão do elevador. Curiosamente, ser puxado para cima faz seu peso se projetar para baixo da mesma maneira que faria se você estivesse no elevador em repouso, sob a gravidade da Terra. Ou seja, acelerar é como estar em repouso num campo gravitacional.
Einstein chamou isso tudo de Princípio da Equivalência. Ele diz basicamente que aceleração e gravidade são iguais, e que a mesma matemática capaz de descrever um processo necessariamente descreverá o outro. E aí ele passou uma década procurando as equações apropriadas. Quando as encontrou, em 1915, a Teoria da Relatividade Geral deu sentido pleno aos fenômenos sugeridos pela versão restrita.
 (Cristina Kashima/Superinteressante)
O universo é ditado pelo que há nele: a massa diz ao espaço-tempo como se curvar, e o espaço-tempo diz à massa como se mover

O ESPAÇO-TEMPO

Einstein descobriu que é possível, matematicamente, tratar o tempo como apenas mais uma dimensão, juntando-o às três dimensões espaciais (largura, comprimento e altura) num espaço-tempo em 4D. E que a presença de objetos com massa curva esse espaço-tempo. Quanto mais massa, maior a curvatura, maior a distorção do tempo e do espaço. No Sol, o tempo flui mais devagar do que na Terra, com sua massa bem menor.
Com isso, o alemão reformou o entendimento da gravidade formulado por Isaac Newton no século 17. Em vez de ser uma misteriosa força a distância, ela passou a ser entendida, de forma mais elegante, como a influência que a curvatura do espaço-tempo produz sobre objetos que estejam nele. O americano John Wheeler foi quem melhor descreveu: “a massa diz ao espaço-tempo como se curvar, e o espaço-tempo diz à massa como se mover”. Ou seja, em vez de ser aquela coisa newtoniana de uma massa atraindo outra massa, é uma massa curvando o espaço-tempo e fazendo a outra massa mudar seu caminho por ele.
A primeira confirmação da relatividade geral veio com a observação de um eclipse solar em Sobral, no Ceará, em 1919, onde se mediu o quanto a presença do Sol curvava os raios de luz das estrelas distantes. Desde então, toneladas de experimentos confirmaram a teoria, culminando com a detecção das ondas gravitacionais – marolas no tecido do espaço-tempo – em 2015.
O mais notável da teoria de Einstein, contudo, é que ela permitiu pela primeira vez investigar de forma concreta como o próprio Universo teria nascido.


Obtido de: https://super.abril.com.br/ciencia/entenda-de-uma-vez-o-que-e-a-gravidade/?fbclid=IwAR2oNi3a0QvYqcNsQRY8nLQFZ13O00CKKDVEhwGzQHo534gvKxUj_W0zPG8

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Editorial do The Guardian sobre o Brasil e a Amazonia 02/08/2019

Editorial do The Guardian – 02/08/2019

A visão do The Guardian sobre o desmatamento da Amazônia: a Europa deve agir para prevenir o desastre








"Se nós reivindicarmos esta selva tropical como um pulmão verde para o mundo, não podemos esperar que o Brasil a conserve sozinha."

Precisamos de florestas tropicais para limitar as mudanças climáticas, assim como proteger a biodiversidade, e devemos fazer tudo o que pudermos para apoiar a conservação brasileira.

Se houver um vislumbre de luz em meio à escuridão dos relatórios recentes da Amazônia brasileira, onde o desmatamento está se acelerando junto com as ameaças aos povos indígenas que vivem lá, isso poderia estar no poder crescente da diplomacia climática, combinado com uma maior compreensão do papel crucial desempenhado pelas florestas no sistema climático do nosso planeta. O acordo firmado há um mês entre a UE e o bloco do Mercosul no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (a Venezuela está suspensa) aumenta a alavancagem europeia com seus parceiros comerciais sul-americanos. O prêmio de acesso aos mercados da UE já é creditado por ter convencido o Brasil a não seguir a liderança de Donald Trump, retirando-se do acordo climático de Paris. Agora, a UE deve reforçar seus compromissos ambientais, como exigiu uma carta de 600 cientistas antes do acordo ser firmado.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não fez segredo de seus planos para promover o desenvolvimento e obteve apoio poderoso dos interesses de agronegócios e mineração do Brasil antes da eleição do ano passado. Ele despreza a conservação e os direitos indígenas, alegando recentemente que seus oponentes estrangeiros querem que as tribos da Amazônia vivam “como homens das cavernas”. Os dados dos satélites mostram que a mensagem está chegando, com as liberações aumentando acentuadamente e este mês definido como o primeiro em cinco anos em que o Brasil perdeu uma área de floresta maior do que a Grande Londres. A mineração de ouro ilegal também está se espalhando. Na semana passada, uma das lideranças do povo Waiãpi, Emyra Waiãpi, foi encontrada esfaqueada até a morte em uma reserva remota no estado do Amapá, depois que homens armados invadiram sua aldeia.

A situação é de importância crítica, e ainda mais preocupante dadas as recentes projeções climáticas. Proteger a maior floresta tropical do mundo, supostamente com 30% de todas as espécies, tem sido justamente um foco importante para as políticas ambientais brasileiras e globais há duas décadas. Mas menos de um ano após a eleição de Bolsonaro, a agência ambiental nacional parece significativamente enfraquecida, com ações de fiscalização no primeiro semestre de 2019 caindo 20% em relação ao mesmo período de 2018. Promotores e ativistas foram intimidados, enquanto a opinião pública está mais engajada noutras partes (por exemplo, nas reformas das pensões).

O argumento de Bolsonaro para o público interno e estrangeiro é o mesmo: a Amazônia brasileira não é da conta de ninguém, mas do Brasil. Com isso em mente, os defensores internacionais da floresta devem agir com cautela. As denúncias das políticas pró-empresariais do novo governo em nome da biodiversidade podem ser contraproducentes. Em vez disso, ambientalistas, incluindo políticos verdes, deveriam trabalhar através de instituições políticas européias, sabendo que a UE é o segundo maior mercado para as exportações brasileiras. A pressão firme deve ser exercida sob a forma de fortes regulamentações ambientais e uma recusa em comprometer a transparência. A carne de vaca ou soja cultivada em terras ilegalmente desmatadas não deve ser importada para a Europa.

Ao mesmo tempo, as organizações da sociedade civil brasileira precisam de apoio para desafiar e resistir a incursões ilegais e para defender os compromissos existentes em seu país - incluindo o reflorestamento de áreas desmatadas. A educação climática deve ser promovida globalmente, para que as pessoas possam entender melhor o que está acontecendo (o assassinato de um jornalista ligado à exploração de florestas tropicais já é tema de um drama na TV brasileira). As liberações florestais podem produzir ganhos de curto prazo, mas no longo prazo elas só podem trazer desastre. O Brasil está em uma posição forte, na próxima rodada de negociações climáticas da ONU (transferida para o Chile depois que Bolsonaro retirou uma oferta para sediar), para exigir o aumento da ajuda internacional para a vasta região amazônica. Se nós reivindicarmos esta selva tropical como um pulmão verde para o mundo, não podemos esperar que o Brasil a conserve sozinha.
Conforme a crise aumenta ...

… Em nosso mundo natural, nos recusamos a nos afastar da catástrofe climática e da extinção de espécies. Para o The Guardian, reportar sobre o meio ambiente é uma prioridade. Nós damos aos relatórios sobre clima, natureza e poluição o destaque que merecem, histórias que muitas vezes não são noticiadas por outros na mídia. Neste momento crucial para nossa espécie e nosso planeta, estamos determinados a informar os leitores sobre ameaças, conseqüências e soluções baseadas em fatos científicos, não em preconceitos políticos ou interesses comerciais.

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segunda-feira, 15 de julho de 2019

Maomé e o Islamismo


Maomé e o Islamismo

Ele criou uma nação fundamentada em direitos trabalhistas, juros baixos e livre concorrência de mercado. Tinha uma esposa que ganhava mais do que ele e emancipou as mulheres quando assumiu o poder. Conheça a face realmente oculta do criador do islamismo.

Texto: Alexandre Versignassi | Design: Fabrício Miranda | Ilustrações: Stevan Silveira | Ilustração da abertura: Sattu
A maior dor de cabeça dos árabes que controlavam Meca, a cidade sagrada, era um certo Muhammad ibn Abdallah – Maomé, em português. O plano era acabar com ele de uma vez. Aquele “poeta insano”, como eles diziam, tinha virado uma ameaça. Ele vinha angariando partidários fervorosos. Agora era questão de tempo até que o poeta, que se dizia profeta, assumisse o poder na cidade. “Maomé deve morrer” era a ordem. Mas não era simples matar um político em ascendência. Para evitar que a culpa recaísse sobre um assassino específico, e dificultar retaliações, eles bolaram um crime perfeito: cada um dos líderes da cidade deveria designar “um soldado forte e bem-nascido” de seu clã. O grupo invadiria a casa de Maomé no meio da madrugada, e cada um desferiria sua própria punhalada. Todos matariam o profeta, diluindo a culpa entre os membros do consórcio de assassinos.
Não deu certo, claro, se não este texto não estaria sendo escrito. E não só porque se trata de um artigo sobre a vida dele. Mas porque, sem a religião que ele criou, o mundo seria um lugar bem diferente. E bem pior, como vamos ver mais adiante. Por outro lado, é óbvio: o que motivou este texto foi a violência dos extremistas islâmicos, uma minoria estridente que comete crimes em nome de sua religião, sem saber que outro grande delito que está perpetrando é contra o próprio islamismo e, mais ainda, contra a imagem de Maomé, um homem que trabalhou pela civilização, não pela barbárie. Vamos conhecê-lo melhor agora.

O embrião

Meca já era sagrada quando o bebê Maomé nasceu ali, no ano de 570. Bem sagrada: recebia peregrinos de todos os cantos da Península Arábica. Tudo por causa de um meteorito: a Pedra Negra, que caiu nas redondezas da cidade sabe-se lá quando e acabou virando um objeto de culto.
Em algum momento da história, que nunca foi registrado, os árabes colocaram muros em volta da pedra, cobriram e pronto: a casinha virou um santuário, a Caaba – o Cubo. Junto dela, colocaram 360 deuses, na forma de estatuetas. Um para cada dia do ano – que eles pensavam ter 360 dias. O ritual ali era dar sete voltinhas em torno da Caaba. Provavelmente porque esse é o número de dias de cada fase da Lua. Os deuses, afinal, podiam não ser astronautas, mas eram astros. A Lua era Hubal, uma divindade que ajudava os humanos a prever o futuro. Vênus, o planeta, era Uzza, a deusa do amor. Acima de todos, na sala da presidência celestial, sentava-se um deus tão poderoso que nem tinha nome. Era apenas “o deus”: al-Ilah. E do mesmo jeito que “vossa mercê” virou “você”, al-Illah virou Allah.
E Allah também era Javé. Os judeus tinham escrito a Bíblia mil anos antes. Ela já era o texto mais conhecido do mundo. E a ideia central ali, você sabe, era a de que Javé, o Deus do “d” maiúsculo, tinha criado o mundo e feito uma aliança com um homem chamado Abraão, o patriarca dos judeus. Graças à forte presença de comunidades judaicas na Arábia, essa ideia estava tão impregnada ali que os próprios árabes se viam como um povo quase bíblico. Acreditavam que também eram descendentes de Abraão, o homem que falava com Deus. A diferença é que, enquanto os judeus descenderiam de um dos filhos do profeta, Isaac, os árabes viriam do primogênito de Abraão: Ismael, o filho que ele teve com a escrava da família. Fazia sentido, já que a Bíblia dizia que Ismael foi mesmo morar nas bandas da Arábia, ainda que não dê mais detalhes além de dizer que ele “se tornou um bom atirador de flechas e arranjou uma mulher egípcia”.
Só faltou combinar com os árabes que Javé era o único deus. Na cabeça deles, o deus de Abraão convivia com a deusa do amor, o deus da lua, a deusa do destino. E atendia pelo nome de “O deus”: Allah. A verdade é que cabia de tudo na mente do árabe típico daqueles tempos – igual cabe na do brasileiro típico destes tempos, que sincretiza catolicismo com umbanda e espiritismo sem problema nenhum. Havia até quem fosse à Caaba prestar culto a Jesus Cristo, uma divindade que vinha ganhando terreno naquele panteão. Em suma, Meca era um tabule de crenças. E foi em meio a esse carnaval religioso que nasceria Maomé, o filho do seu Abdallah e da dona Amina.



O menino

Abdallah, rapaz boa pinta, estava indo para a casa da noiva. Não era um dia qualquer: logo mais, aconteceria a noite de núpcias dele com a jovem Amina. Mas no meio do caminho apareceu uma mulher. Uma estranha interceptou o futuro pai de Maomé na rua e o convidou para conhecer sua cama. Uau. Mas ele recusou educadamente e seguiu seu caminho rumo a outra cama, aquela onde consumaria seu casamento.
Mas homem você sabe como é. Abdallah cruzou com a estranha no dia seguinte e perguntou se o convite ainda estava de pé. Não estava. Porque mulher, bom, você sabe como é: “Ontem você tinha um brilho nos olhos”, ela disse. “E hoje não tem mais. Não quero.”
O tal brilho não era uma figura de linguagem. Segundo a tradição islâmica de onde vem essa história, os olhos de Abdullah realmente emitiam luz. E por um motivo claro: naquela noite, ele e Amina conceberiam o embrião deMaomé. O brilho era uma manifestação da semente do Profeta, que estava prestes a sair do pai e ser plantada no útero de sua mãe. Claro que esse episódio da literatura islâmica é provavelmente tão factual quanto a história dos Reis Magos na literatura cristã. É só uma lenda composta para dar um caráter sobrenatural ao nascimento de Maomé, do mesmo jeito que a historinha da Estrela de Belém faz do parto de Jesus um acontecimento transcendente. Com ou sem luz nos olhos, o fato é que Abdallah e Amina foram mesmo os pais de Maomé. Mas não por muito tempo.
O pai nem viu o filho nascer. Morreu enquanto Amina ainda estava grávida. O casal já vivia apertado. Os bens de Addallah somavam cinco camelos e algumas ovelhas – o que fazia dele um membro da “classe média baixa”, caso existisse um IBGE em Meca. Agora, com ele morto, as perspectivas para Amina eram trágicas. Mas ela segurou a barra. Teve o filho sem problemas e propiciou uma infância saudável ao menino, com direito até a um “intercâmbio” com uma família de beduínos para aprender cedo as agruras do deserto – coisa que toda criança árabe tinha de fazer na época para “crescer forte”. Mas Amina não teve tanto tempo para curtir o filho: morreu antes de ele completar 7 anos.
Agora Maomé tinha 8 anos e um destino: virar escravo. Esse era o fado da maior parte dos órfãos da época.
Os dentes de leite do garoro mal tinham caído e ele já era órfão de pai e de mãe. Então foi morar com o avô. E o avô morreu também. Agora Maomé tinha 8 anos e um destino: virar escravo. Esse era o fado da maior parte dos órfãos da época. Sem uma família para ajudar, a única saída era trabalhar em troca de (pouca) comida pelo resto da vida. Mas Maomé escapou dessa sina graças a um tio, Abu Talib, que era irmão do falecido Abdullah. O homem teve pena do sobrinho e decidiu adotá-lo. E o garoto finalmente ganhava uma família completa.
Mais do que isso, na verdade. Abu Talib era um xeique, um chefe de clã. Só para situar: estamos na Arábia pré-islâmica, uma terra sem rei, onde o que vale é a lei tribal. O xeique é o cacique, mas não manda sozinho. Para cuidar dos cultos religiosos, você tem o kahin, sujeito que cuida dos cultos e baixa o santo, servindo de porta voz para os deuses da tribo – deuses que gostavam de falar em rimas, já que recitar poesia nas celebrações era a especialidade dos kahins. No Poder Judiciário, você tem o hakam, um juiz de pequenas causas. O trabalho do hakam, aliás, não era dos mais complicados, porque a ética que reinava ali era a do olho por olho. A lei da retribuição. Quebrou o nariz de alguém? Seus dias de simetria facial acabaram. Matou? Morreu.
Mas esse sistema tribal estava entrando em crise. Àquela altura, a vida nômade, com tribos de pastores vagando em busca de pasto e só se cruzando de vez em quando, estava com os dias contados. O comércio já era forte o bastante para sustentar centros urbanos. E o normal agora era várias tribos ocuparem a mesma cidade. Só tinha um problema: as leis de cada tribo só valiam dentro de cada tribo. Se você matasse alguém de fora, problema do morto. Era como se um morador de Ipanema tivesse carta branca para quebrar narizes no Leblon. Não tinha como dar certo.
Tanto não tinha que o único caminho viável foi a formação de “megatribos”. Vários clãs foram se unindo, via casamentos arranjados, que providenciavam laços de sague. Depois de algumas décadas, vinha o resultado: uma megatribo, que acabava subjugando as menores: podiam quebrar narizes à vontade. Sem medo de punição.
Em Meca, a megatribo era a dos Quraysh. Eles controlavam o comércio e as finanças da cidade. Os peregrinos da Caaba, por exemplo, eram uma fonte de renda garantida para os mecanos: propiciavam feiras e mercados vibrantes em volta do santuário. Mas, se você quisesse fazer parte da festa, abrindo uma barraquinha numa dessas feiras e mercados, não tinha jeito: teria que pagar impostos gordos para os líderes dos Quraysh.
Isso concentrava a renda. Então, se você precisasse de um cascalho para abrir sua barraquinha, teria que pedir emprestado para os Quraysh mesmo. E eles cobravam juros extorsivos. Não porque fossem perversos, ou burros (juro alto demais = inadimplência = mau negócio para o credor). Eles cobravam juro de agiota porque, quanto mais calotes rolassem, melhor. Explico. É que a garantia mais comum da época para casos de calote era particularmente interessante para o credor: pessoas. Você pedia um empréstimo e deixava um filho como garantia, ou você mesmo. Se você não pagasse, o credor ganhava um escravo. Num tempo sem máquinas, em que o trabalho braçal valia bem mais do que hoje, ganhar escravos valia mais a pena do que receber os empréstimos de volta. E, se a garantia fosse uma esposa ou uma filha, melhor ainda: ela acabaria engrossando o harém do credor.
Foi nesse cenário que Maomé cresceu. Mas não só nesse. É que o tio Abu Talib, além de Xeique e bem relacionado com os Quraysh, era um exportador, dono de caravanas de camelos que transportavam alimentos, especiarias e objetos preciosos deserto adentro. Ainda criança, Maomé começou a participar dessas viagens. E foi ótimo: o menino conheceu comunidades cristãs e judaicas bem mais a fundo do que se tivesse passado a vida em Meca. O fato de ele ter se inteirado bem sobre as duas religiões monoteístas ajudou lá na frente, quando ele criaria a terceira. Mas isso talvez nunca tivesse acontecido se Maomé não cruzasse o caminho de uma certa mulher, 15 anos mais velha que ele. A mulher que dominaria seu coração. E salvaria sua mente.

O homem

(Estevan Silveira/Superinteressante)
Maomé estava com 25 anos e sem grandes expectativas. Ainda não tinha um negócio próprio. Dependia da boa vontade do tio para ter casa e emprego. Pelo menos ele já tinha feito uma bela reputação na arte que Henry Ford um dia chamaria de “comprar como se fosse lixo, vender como se fosse ouro”. Era um baita negociante. E logo a fama do rapaz lhe renderia frutos.
Nessa época, ele teve a sorte de ser contratado por alguém bem mais rico que seu tio. Alguém poderoso, respeitado e que, contra todas as normas sociais da época, cometia o disparate de não ser homem: Khadija. Num tempo em que mulher era propriedade, e nem podia herdar bens se o marido morresse, Khadija era uma mulher emancipada. Uma self-made woman de 40 anos, dona de caravanas extremamente lucrativas, e que, mesmo não sendo mais nenhuma menininha, estava entre as mulheres mais cobiçadas da cidade. Bom, Khadija agora precisava de alguém para chefiar uma caravana para a Síria, mil quilômetros ao norte de Meca. Ela tinha ouvido falar muito bem de Maomé, então convidou o rapaz. Foi uma aposta vencedora: Maomé voltou da Síria com o dobro dos lucros que ela esperava. Aí foi paixão à segunda vista: ela ficou tão encantada que pediu o rapaz em casamento. Consta que ele não pensou duas vezes.
Agora Maomé estava por cima da carne-seca. Ao assumir o controle das caravanas de Khadija, finalmente conseguiu ter seu próprio (e grande) negócio. Virou um comerciante reverenciado até pela elite. Nessa época, seu melhor amigo passou a ser o próspero Abu Bakr, um Quraysh também dono de caravanas. E Maomé ganhou a honra de recolocar a Pedra Negra na Caaba, depois de uma reforma que os líderes da cidade tinham feito no santuário.
Mas ele não se sentia confortável com a situação. Se por um lado ele lucrava com o sistema de Meca, já que tinha se tornado um comerciante próspero, por outro, ele simplesmente não engolia a ditadura Quraysh. Os textos islâmicos sobre a vida do Profeta, que começaram a ser escritos enquanto ele estava vivo, reiteram que Maomé não suportava ver tanta gente se tornando escrava por não conseguir pagar dívidas. Ele também achava absurda a ideia de a elite de Meca ser imune à lei da retribuição. Mas não protestava. E ainda tinha um comportamento contraditório: apesar de fazer doações frequentes aos mais pobres e ser contra o escravagismo, tinha seu próprio escravo, Zayd.
Alem das doações, outra coisa que ele fazia para aplacar a consciência era sair para meditar sozinho nas montanhas em volta da cidade. E foi num desses retiros, quando já tinha 40 anos, que Maomé teve a maior de todas as experiências, segundo a liturgia islâmica.
Ele sentou numa caverna para meditar, quando ouviu uma voz, que lhe surgiu na cabeça. Uma voz autoritária, que dizia:
– Recita!
– Recitar o quê?, perguntou.
– Recita!!
Então Maomé recitou, mesmo sem saber o que iria recitar. Entrou numa espécie de transe e sentiu as palavras fluírem:
“Recita, em nome do seu Senhor que criou/ Criou a humanidade a partir de um coágulo de sangue/ Recita, que seu Senhor é generoso/ Aquele que ensinou pela escrita/ Ensinou à humanidade o que ela não sabia”.
Não era um texto duro e seco, como está aqui. Em árabe, são versos gostosos de ouvir, feitos para cantar, já que têm uma métrica sofisticada e rimam. Os dois primeiros, por exemplo, fecham com palavras terminadas em “laq” (pronuncia-se “láco”). Os três últimos, com palavras que acabam em “am”. Poesia, em suma. Ao estilo dos kahins.
Essa foi a primeira das várias recitações que Maomé faria nos 23 anos seguintes. E que dariam origem ao Alcorão (literalmente, “A Recitação”). Mas, segundo a tradição islâmica, não foi fácil para ele. Maomé ficou atordoado com a experiência de ver os versos saírem pela sua boca sem que ele soubesse o que estava acontecendo. Ele suava, tremia. E saiu da caverna direto para casa. Só relaxou depois de ser ninado nos braços da mulher. “Khadija…”, ele suspirou, mais calmo. “Acho que fiquei louco.” Hoje, 1,6 bilhão de pessoas discorda dessa afirmação. Mas naquele dia, bastava Khadija.
Ela confortou o marido. Depois, para que Maomé entendesse melhor o que tinha acontecido com ele na caverna, decidiu levá-lo a um especialista, digamos assim. Era Waraqa, um primo cristão de Khadija, versado nas escrituras judaicas e nos Evangelhos. E o diagnóstico foi imediato: aquelas eram palavras de Deus, Waraqa disse. O Criador estava se manifestando pela boca de Maomé. Ele era seu Mensageiro. Seu Profeta. E as mensagens tinham um intuito: deixar claro para o povo árabe que só existia um Deus. O Deus: Allah. Todas as outras divindades seriam ilusórias.
Dali em diante, Maomé passaria a pregar o monoteísmo vorazmente. Ia até a Caaba e discursava para os politeístas. Além de vociferar que os deuses deles não existiam, deixava claro que ele próprio era uma parte da história entre Deus e os homens. Allah, ele dizia, contou com vários profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Davi, Jesus. E agora tinha mais um, ali, diante deles: Maomé.
Na prática, a religião que Maomé criava naquele momento era um reflexo do próprio caldo cultural de Meca: tinha um pouco de cristianismo, muito judaísmo e um belo tempero árabe, com a poesia que remetia à cultura ancestral dos kahin. Só que Maomé tinha muito mais do que poesia para entregar. Foi aí que começaram os seus problemas. E sua ascensão.

O profeta

(Estevan Silveira/Superinteressante)
O Maomé resignado, que tentava aplacar a consciência fazendo caridade e isolando-se nas montanhas, estava morto. Agora nascia outro homem: o Profeta vivo, que peitava os Quraysh sem medo, descendo a lenha na cobrança de juros e, heresia máxima, pedindo a libertação dos escravos. Começou libertando o seu, diga-se.
Mesmo com esse discurso, Maomé angariou seguidores entre os homens ricos de Meca. Provavelmente pela beleza das recitações, muitos realmente o viam como um novo Abraão, um novo Moisés. A começar por seu amigo Abu Bakr, o comerciante Quraish. Seu primeiro ato como seguidor de Maomé, inclusive, foi gastar uma fortuna comprando escravos de seus colegas comerciantes para libertá-los.
Some tudo isso ao fato de que a própria mensagem monoteísta de Maométambém tinha um potencial destrutivo: se aquele homem continuasse convencendo gente na Caaba de que os deuses ali dentro eram de mentira, os peregrinos que se convencessem poderiam não voltar mais. Péssimo negócio para os Quraysh, que controlavam o comércio em torno do santuário. Pois é. Tinha chegado a hora de tomar uma providência contra o recitador.
Mas não seria fácil, porque o número de seguidores dele só crescia. No começo, eram só Abu Bakr, Zayd, seu escravo alforriado, Khadija, claro, e o menino Ali, de 13 anos – um primo de Maomé. Mas agora era diferente. Ele somava centenas de fiés. Além disso, seu tio Abu Talib era próximo demais dos Quraysh. Isso ajudava a manter as espadas deles longe do pescoço deMaomé. Mas não por muito tempo.
Quando Maomé tinha 50 anos, no ano de 620, Abu Talib morreu, deixando o caminho mais livre para os Quraysh. E pior ainda: Khadija também faleceu, aos 65. Sem suas duas maiores referências na vida, e ciente de que o pior se avizinhava, Maomé começou a tecer um plano para deixar Meca, mas sem largar seus seguidores. Líderes de outra cidade, Medina*, tinham convidadoMaomé para servir como haran, julgando uma disputa interna entre os clãs locais. O Profeta, então, orientou seus seguidores a se mudar para Medina, 300 quilômetros ao norte, sem alarde, para não chamar a atenção. Mas logo que os Quraysh perceberam o movimento decidiram agir. O temor agora era que Maomé estivesse formando um exército.
Foi aí que, em setembro de 622, decidiram matá-lo, lançando mão daqueles soldados “fortes e bem-nascidos”. Mas os cães de aluguel dos Quraysh tiveram uma surpresa. Quando arrombaram a casa do Profeta, quem estava na cama era seu primo Ali. Maomé tinha acabado de fugir para Medina, junto com Abu Bakr. Ali, poupado, logo mais se juntaria aos dois.
Esse dia da fuga se tornou tão importante para o islamismo que o ano de 622 ficaria marcado para sempre. Tornaria-se o ano 1 da nova religião. O ano 1 d.H. (depois da Héjira, “Fuga”, em árabe). E isso não aconteceria simplesmente porque o Profeta escapou da morte. Mas porque foi em Medina que Maomé fez sua maior obra: criou sua própria civilização.
Maomé agora era xeique. Longe de Meca, seus seguidores formavam uma tribo de fato: a Ummah (“comunidade”). Uma tribo que não era unida por laços de sangue, mas por uma ideologia. Ideologia que Maomé logo tiraria do mundo das ideias.
Uma de suas primeiras medidas no campo das coisas práticas foi baixar a Selic. Ou quase isso. O Profeta achava que os juros extorsivos estavam no cerne dos problemas de Meca, certo? Então ele criou um BNDES em Medina: os membros da Ummah concediam empréstimo a juro zero para outros “afiliados”.
Outro problema que ele via em Meca era o monopólio dos Quraysh no comércio. Medina também tinha uma tribo que dominava o comércio, a Banu Qaynuca, de origem judaica. Ninguém podia vender nada em Medina sem pagar uma taxa a eles.
Maomé acabou com isso. Não na pancada, mas criando uma feira concorrente, que não cobrava taxa nenhuma. Nisso, ele quebrou o monopólio e forçou uma baixada nos preços. Capitalismo de raiz. De raiz mesmo: a Ummah abastecia seus mercados emboscando caravanas nos arredores de Meca.
Os saques também alimentavam outra novidade: um Bolsa Família. Todo membro da Ummah deveria pagar um imposto de acordo com suas posses, o zakat. E o dinheiro ia para seguidores mais pobres, que nem tinham como pagar imposto nenhum. Zakat significa “purificação”. Ou seja, o imposto tinha um sentido religioso: os mais ricos “purificavam-se” ao doar sistematicamente uma porcentagem dos seus ganhos. Mas vale lembrar:  a religião era tão intrincada com todo o resto da vida social que nem havia uma palavra para “religião”.
E ainda houve as reformas jurídicas. A lei principal continuava sendo o olho por olho, mas Maomé introduziu uma mudança fundamental ali. “A retribuição por uma injúria é uma injúria igual”, diz o Alcorão, refletindo as leis tribais da Arábia. Mas tinha um complemento interessante ali: “Aqueles que esquecerem a injúria e buscarem uma reconciliação serão recompensados por Deus” (42:40). Além disso, a lei deixava claro que, dentro da igualdade da Ummah, não existiam fiéis “mais iguais”, como acontecia com a elite de Meca. Um bandido poderoso, portanto, deveria ter o mesmo tratamento de um ladrão pé-de-chinelo, pelo menos no papel.
Outra mudança importante foi no campo dos direitos das mulheres. Maométinha se tornado polígamo em Medina. Como qualquer xeique da época, tinha várias esposas e concubinas. Mas era natural que, como viúvo de uma mulher poderosa, ele também entendesse que mulheres não eram camelos. Então ele concedeu um direito importantíssimo às mulheres da Ummah: elas poderiam herdar propriedades, pela primeira vez na história das Arábias. Ele também proibiu que maridos se apropriassem dos dotes de casamento, pagos pelo pai da noiva no ato do casório. O dinheiro deveria ser mantido como uma poupança exclusiva da mulher, funcionando como um seguro em caso de divórcio.
Em suma: se Maomé ressuscitasse hoje, deveria ser chamado para dar palestras de gestão pública. Seu pacote de reformas deu tão certo que vários habitantes de Medina entraram para a Ummah. Até porque era fácil: bastava aceitar que só havia um deus e que Maomé era seu profeta, estar disposto a pagar o zakat e pronto: você se tornava membro da tribo do Profeta. Tribo que, conforme foi ganhando mais membros, começou a ser conhecida por outro nome: Islã (“subordinar-se a Deus”). E seus membros passariam a ser chamados de “muçulmanos” (“aqueles que se renderam a Deus”). Mas quem não tinha se rendido a nada eram os Quraysh, lá em Meca. Eles não tinham esquecido a ameaça que Maomé representava. Ainda queriam matá-lo de todo jeito.
A primeira batalha entre os Quraysh e a Ummah aconteceu dois anos depois da Héjira, em 624. Foi num daqueles roubos de caravana. O pessoal de Meca soube, via espiões infiltrados em Medina, que os muçulmanos iriam saquear uma caravana específica, que vinha da Palestina. Então colocaram um exército de mil homens para protegê-la. Maomé chegou com 300. Deveria ser o seu fim. Não foi. Talvez por excesso de confiança dos Quraysh, talvez por muito mais excesso de confiança dos muçulmanos, o fato é que Maomévenceu. Dali para a frente, seguiram-se anos de batalhas.
Entre uma luta e outra, Maomé continuava tendo seus transes e recitando o futuro Alcorão. Os versos mais belicosos do livro sagrado são justamente dessa época. O mais conhecido é a surata (capítulo) 9, versículo 5: “Matem os idólatras, onde quer que eles estejam; capturem, acossem, embosquem”. O contexto real deste texto é o da guerra contra os Quraysh, que infiltravam espiões em Medina. “Idólatra” (ou “politeísta”, ou “infiel”, dependendo da tradução) não é qualquer um que não seja muçulmano. A palavra está ali para representar um inimigo específico, e de um conflito que aconteceu há quase 1.500 anos.
E isso não significa que o Islã tenha mais apreço pela violência que outras religiões. Algumas partes do Antigo Testamento parecem ter sido escritas por Quentin Tarantino, dada a torrente de sangue. E o próprio Cristo, que aconselhava dar a outra face em caso de agressão, chegou a dizer: “Não pensem que vim trazer paz ao mundo. Não vim trazer paz, mas a espada” (Mateus, 10,34). E isso não significa que o cristianismo pregue a violência. No caso do Islã, vale o mesmo raciocínio.
De qualquer forma, Maomé foi mais feliz que seus predecessores bíblicos quando empunhou sua espada: ele passou por cima dos adversários. Em 629, com os Quraysh cansados de guerra e o Islã mais forte do que nunca, o Profeta reuniu um exército de 10 mil homens e marchou para Meca. Acabou conquistando a cidade sagrada sem nem derramar sangue, já que o inimigo se rendeu na hora. Pronto. Com Meca sob seu controle, Maomé agora era o homem mais poderoso da Arábia. Um destino que parecia distante do menino que nasceu sem pai e perdeu a mãe tão cedo.
Seu primeiro ato foi libertar todos os escravos de Meca. O segundo, despejar os deuses da Caaba, destruindo as imagens deles e consagrando o santuário a Allah – a Pedra Negra ficou, para a alegria de quem gosta de meteoritos.Maomé também poupou as estátuas de Jesus e da Virgem Maria, os únicos personagens do Alcorão representados por imagens dentro da Caaba. Mas Maomé não se aproveitou do poder. Não corou-se “rei de Meca” nem nada. Voltou para Medina, que tinha se tornado sua cidade de fato, e morreu em paz, aos 62 anos, deixando 12 viúvas, 3 filhos, 4 filhas e uma nova nação.

Epílogo

Abu Bakr assumiu a liderança do Islã aos 58 anos, tornando-se o primeiro Califa (“sucessor”, em árabe). O jovem Ali, que ainda tinha 30, era o favorito de uma parte dos seguidores. E ainda é. A sucessão criou uma dissidência pró-Ali hoje conhecida como “xiita”, que forma uma minoria de 10% dentro do Islã. Os descendentes dos que apoiaram Abu Bakr são a maioria “sunita”, que segue a suna, a “tradição”, iniciada naquela época.
Os sucessores do Profeta não pararam em Meca. Continuaram a expansão da Ummah e, 50 anos depois da morte de Maomé, seus domínios estendiam-se até o Irã. Mais 50 anos e o norte de África e um pedaço da Índia já era deles. Outros 50, e eles já dominavam a Espanha – uma terra tão distante que, quando era meio-dia nessa ponta ocidental do império, o Sol já estava se pondo nos domínios mais orientais. Mas esse não foi só um dos maiores impérios do mundo. Foi um dos mais criativos também: enquanto a Europa se afundava na escuridão da Idade Média, o Islã construiu sua própria “Europa” alguns graus de latitude mais abaixo. Um continente unificado por uma nova religião, e que deixou como maior legado a ciência: boa parte da matemática que conhecemos hoje veio de gênios que nasceram sob a religião de Maomé. Uma religião humanitária, que, ao propor uma sociedade menos desigual e mais aberta ao diálogo, encarnou muito do que a humanidade tem de melhor. Que meia dúzia de psicopatas não acabem com esse legado.

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Fonte: https://super.abril.com.br/especiais/maome-a-face-oculta-do-criador-do-isla/?fbclid=IwAR10ePOD78B2ivo-FrhDIA_HdMI8qE0HAcL2w_1083k-_UWlcCzY1kRnkOg