Helen Thompson
Pouco se sabe sobre esses antigos toscanos, que deixaram um rico legado cultural. Descobertas recentes trouxeram novas informações, mas não a ponto de identificar sua origem ou de decifrar totalmente sua escrita
Os etruscos têm muitos atributos: dominavam a arte de decorar tumbas e
tinham escrita.Durante séculos, a civilização que criaram foi comparada à
egípcia. Depois, um manto de fantasia recaiu sobre ela: teria sido
anterior e, definitivamente, precursora da grega. Hoje, apesar de
indicações relacionadas a uma parte da mitologia e do alfabeto
aparentemente comum entre os povos; a tal primazia etrusca sobre a
esplendorosa Grécia antiga já não é mais tão aceita, mas há muitos
mistérios para a ciência resolver antes de um veredicto final.
Numerosas
descobertas recentes, em especial na Etrúria, região central da
península Itálica, mas também fora dela, fizeram avançar os
conhecimentos sobre esses antigos toscanos. A Etrúria nunca formou uma
só nação, com um poder centralizado.
Não se deve compará-la ao
Império Romano nem ao Estado moderno. Aqui começa a identidade com os
gregos: tratava-se de um conglomerado de cidades autônomas, com
territórios e capitais definidos.
Os autores antigos – gregos e
romanos – diziam unanimemente que os etruscos formavam uma liga de 12
cidades, a dodecápolis, mas jamais mencionaram a lista inteira de
localidades. A arqueologia e as fontes literárias indicaram que, no
apogeu dessa civilização (século VI a.C.), havia as cidades de Tarquínia
e Veio, consideradas as mais brilhantes e opulentas.
Alguns
séculos depois, há registros das capitais de Arezzo, Cortona, Perugia e
Volsini (atual Orvieto). Características das necrópoles e riquezas de
mobiliário funerários, além do número e das dimensões de templos,
levaram a incluir na dodecápolis cidades como Cere (hoje Cerveteri),
Vulci, Vetulonia, Volterra e Chiusi. Por essa conta, ainda falta uma.
As
escavações realizadas há alguns anos em Pisa trouxeram à luz o rico
passado etrusco desse porto fluvial, e a localidade passou a ser
candidata séria ao posto. Mas um grande porto como Populonia, capital do
ferro etrusco, podia facilmente entrar na liga, sem esquecer uma cidade
como Rosella e outras. Como se pode notar, o problema é o excesso, e
não a falta de candidatas.
Cabeças votivas em terracota, autor desconhecido século VI ou V a.C.
Essa liga de 12 cidades não foi nada eficaz nos planos político e
militar. Isso fica evidente no fracasso dos pedidos de socorro de Veio,
quando atacada por Roma no século V a.C.: a desunião facilitou
enormemente a conquista romana da Etrúria. A fragilidade na união
militar não impediu um forte elo religioso entre os etruscos de todas as
regiões, simbolizado por um sacerdos, um grande sacerdote que presidia
as cerimônias anuais no principal templo do deus supremo desse povo,
Voltumna (ou Veltha). Seu santuário ainda não foi localizado, mas pode
se encontrar perto do rochedo de Orvieto. Escavações atuais podem trazer
à luz esse sítio, às vezes comparado em importância ao de Delfos na
Antiguidade.
Um dos traços desse povo é a beleza artística e o
grande número de afrescos funerários. Ao contrário dos gregos, cujas
obras das épocas arcaica e clássica desapareceram, os etruscos tiveram a
feliz ideia de decorar seus hipogeus, que são tumbas subterrâneas. Essa
condição protegeu a arte, hoje exposta em condições especiais na
Tarquínia, por exemplo, no museu ou no próprio sítio arqueológico da
antiga necrópole de Monterozzi.
Em 1985, também na Tarquínia, foi
descoberta uma nova sepultura decorada, chamada “tumba dos demônios
azuis” em razão da presença, em suas paredes, dedivindades infernais com
a pele pintada de azul. Uma parte dos motivos mostra o barqueiro grego,
que atravessa os infernos, e o equivalente a Caronte, em seu barco; ou
uma morta, que vai partir em uma viagem marítima, acolhida por seus
parentes falecidos.
Tumba dos demônios azuis, Necrópole dos Monterozzi, Tarquínia
Afresco, autor desconhecido, 330-320 a.C.
Por falta de textos etruscos, as interpretações devem parar por aqui.
Note-se, contudo, que essa tumba é do fim do século V a.C., e os
demônios que acompanhavam os mortos não apareciam na iconografia antes
da época helenística. A presença deles parece ser mais antiga do que se
imaginava.
No território de Chiusi, uma das cidades da
dodecápolis, a oeste do lago Trasimeno, há uma necrópole na bela cidade
toscana de Sarteano. Ali se encontrou, em 2003, a tumba da quadriga
infernal – carro conduzido por quatro animais. Penetrando no túmulo, é
possível ver o desenho da carruagem atrelada a dois leões e dois
hipogrifos (animal mitológico representado com corpo de leão, asas,
garras e cabeça de águia). Os animais são conduzidos por um cocheiro de
cabelos ruivos e olhos que saem das órbitas, cujo rosto foi recortado
sobre uma nuvem negra evocando o mundo dos infernos. A arqueóloga
Alessandra Minetti, descobridora da tumba, estima que se trate de um
novo avatar de Caronte.
Tumba da Quadriga Infernal, Sarteano
O carro conduzido por dois leões e dois hipogrifos é chamado de "quadriga infernal". O cocheiro seria um novo avatar de Caronte, o barqueiro
Em 2006, a cidade mais próxima de Roma, Veio, revelou a tumba pintada que é a mais antiga até hoje conhecida na Etrúria.
Batizada
de “tumba dos leões rugidores”, em razão da presença de quatro leões
com bocas impressionantes, remonta ao começo do século VII a.C. Há uma
série de pássaros pintados em vermelho e preto, com a mesma técnica
usada na cerâmica geométrica grega tardia. Segundo Francesca Boitani,
diretora do museu de Villa Giulia, em Roma, os aterradores leões evocam a
morte, e as aves, a viagem aos infernos.
Também não se podem
desprezar os resultados das escavações realizadas em Verucchio, perto de
Rimini. No sítio, ligado à Rota do Âmbar, tumbas principescas revelaram
um rico e conservado mobiliário de madeira, com alguns tronos. Em
Casale Marittimo, perto de Volterra, estátuas de pedra do começo do
século VII a.C. foram desenterradas, uma produção artística pouco comum
na Etrúria até aquela época.
As escavações nas casas dos vivos se
tornou hoje prioritária nas grandes cidades como Marsiliana d’Albegna
e, principalmente, na Tarquínia, cidade cujas origens remontam ao século
IX a.C. Além disso, um novo templo dedicado a Tin, outro importante
deus etrusco, foi descoberto em Marzabotto, nas imediações de Bolonha.
Lá se decifrou a inscrição Kainua, que deve ser o nome etrusco da
cidade, algo até então ignorado.
A arqueologia submarina também
trouxe seu quinhão de revelações, pois a exploração de navios
naufragados é fundamental para a história econômica e o conhecimento das
trocas comerciais. Em 1999, pesquisadores identificaram um navio
afundado ao largo da cidade de Hyères, no sul da França. A embarcação
era um grande cargueiro e transportava, perto do ano 500 a.C., mil
ânforas cheias de vinho produzido na região de Cere-Cerveteri. Sem
dúvida, a carga seria entregue no porto de Lattes, próximo da atual
Montpellier, já que a Gália meridional consumia vinho etrusco havia mais
de um século.
Talvez fosse um navio etrusco implicado em uma
forma de comércio direto entre a Etrúria e a Gália meridional, mas
tratava-se de modo pouco habitual para o período, pois mais comum era o
sistema de cabotagem – de porto em porto, com cargas e descargas
frequentes, ao longo da costa do Mediterrâneo.
ORIGENS
Quanto às raízes dos etruscos, o mistério é enorme. Teriam
eles vindo da Ásia Menor, como afirmou o historiador grego Heródoto
(século V a.C.) ou seriam nativos do lugar, um povo autóctone, segundo a
tese defendida pelo também historiador grego Dionísio (ou Denis) de
Halicarnasso, posteriormente, no século I a.C.?
Heródoto afirmou
que os etruscos eram originários da Lídia, na atual Turquia. Teriam
chegado à Itália no século XIII a.C. A hipótese é compatível com a que
associa os etruscos aos povos do mar. Os egípcios mencio navam os
etruscos com o nome de turshu. Os latinos, os chamavam de tusci. Os
gregos, de tyrrhenioi.
O mais provável é que tenham se instalado
na região, que já possuía uma população local, entre os séculos VIII e
VII a.C., atraídos pelas jazidas metálicas da Toscana. Eles fundaram ou
controlaram Bolonha, Mântua, Pesaro, Rimini, Cápua, Pompeia e até mesmo
Roma, cujos três últimos reis antes da República, entre 616 e 509 a.C.,
foram etruscos.
Talvez
a análise do DNA das populações da Toscana traga luzes sobre essa
eterna questão. Os primeiros resultados pendem para uma origem oriental.
Mas não é de desprezar o comentário do historiador francês Jules
Martha, em 1889: “Podemos nos perguntar se o termo ‘etruscos’
corresponde a uma entidade etnográfica bem definida ou se, por acaso,
não seria uma expressão política que designaria um povo misto, resultado
da mistura de várias raças, como, por exemplo, os franceses,
austríacos, ingleses, americanos”.
Nem grego nem latim
Em relação à língua etrusca, há muito a ser descoberto, embora os poucos textos sejam hoje decifrados com mais facilidade – ao menos quando colocados em seu contexto. Geralmente as palavras são grafadas da direita para a esquerda, com um alfabeto assemelhado ao grego. Mas o etrusco definitivamente não pertence ao grupo de línguas indo-europeias, mesmo que tome de empréstimo elementos do grego e das línguas itálicas.Simplesmente não se pode aproximar o etrusco de outra língua. Por isso, uma escritura descoberta em 1992, em Cortona, na Itália, tem grande interesse. Surgida em condições rocambolescas e certamente depois de escavações clandestinas, a tabuleta de Cortona é uma placa de bronze de aproximadamente 45 cm por 30 cm, com inscrições que cobrem totalmente uma face e a parte superior do verso. Deve datar de cerca de 200 a.C.
Com 206 palavras, mais da metade nomes próprios e sinais de pontuação, a tabuleta contém o terceiro texto etrusco conhecido em número de linhas. Como faltam escritos longos, com um vocabulário rico que permita avanços no conhecimento do etrusco, a descoberta é das mais celebradas.
Tudo indica tratar-se de um documento jurídico, um contrato sobre a venda de terras, onde existiam uma vinha e um olival situado perto do lago Trasimeno. Daí as listas de nomes próprios que provavelmente representam os vendedores, os compradores, as testemunhas e os fiadores daquela transação.
Museu Dell´Accademia Etrusca, Cortona
Tabuleta de Cortona revela a escrita etrusca. A inscrição de autor desconhecido, foi feita sobre bronze por volta de 200 a.C.
Aparece ainda na inscrição a expressão cen zic zichuche, que se traduz
por “este texto foi escrito”, uma fórmula esperada em atas de tipo
notarial. Há a qualidade de um magistrado que é zilath mechl rasnal, que
significa “pretor da liga etrusca”, ou como alguns hoje acreditam,
pretor da cidade de Cortona – talvez o prefeito da cidade. Constata-se
que, como na Roma dos cônsules, a datação é indicada pelo nome de dois
magistrados que estavam no cargo naquele ano.A tradução hoje aceita dessas e de outras passagens está longe de indicar que o problema da língua esteja resolvido. Alguns especialistas de peso contestam a interpretação e veem na tabuleta de Cortona um texto religioso, que descreveria os ritos praticados por uma confraria. Uma hipótese errada para a maioria dos pesquisadores, mas...
Obtido de: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/os_enigmaticos_etruscos.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário